Clos de Tapas: comida, diversão e arte

Julho 2011

Sou da opinião de que alguns dos restaurantes que mais nos marcam são aqueles em que, de alguma forma, as refeições vão além da materialidade do que está posto à mesa. Aqueles que querem nos proporcionar algo além de comida apenas.

Creio que pode haver muito por trás de uma refeição que não só comida. Desde a afetividade e a entrega da senhorinha que comanda, há décadas, o forno a lenha de uma cozinha no interior até o balaio de referências culturais que certos trabalhos evocam. Em alguns poucos endereços no mundo, eu diria mesmo que pode haver arte na concepção de um prato. Enquanto escrevo essas linhas, revejo uma matéria da Le Monde Magazine, que estampa o “Rouget façon Mondrian” da Maison Troisgros e reafirmo: sim, a arte pode ser um dos combustíveis que movem o motor da gastronomia.

Especialmente, nos restaurantes de hoje, pode haver também diversão por trás da comida. Não o divertir-se que, naturalmente, acompanha o simples movimento de sair pra comer fora, a quebra da rotina. Mas a diversão pensada pelo cozinheiro, calculada, depositada na intenção de um prato. Divertir – nesse sentido da coisa intelectualizada e incorporada à engrenagem de uma cozinha – é, inegavelmente, um dos focos de muitos dos restaurantes de uma era que tem como ícones figuras como Heston Blumenthal, Ferran Adrià e Grant Achatz.

O Clos de Tapas surge desse caldeirão. O que é perigoso em terra brasilis, onde muitas casas focam no tal “divertir” e se esquecem de fazer comida. Mas ali não há amadores. A dupla de chefs Ligia Karazawa e Raul Jiménez, egressa de restaurantes como El Bulli, El Celler de Can Roca e Mugaritz, sabe o que faz. No Clos de Tapas, fazem cozinha de verdade e não um arremedo do que presenciaram nos endereços por onde andaram. Entregam o que prometem.

Em almoço recente por lá, posso dizer que, além de comer bem, me diverti. Em todos os pratos, mesmo naqueles que não alcançavam o resultado em termos de sabor, havia criatividade e precisão na execução. Nem todos me soaram igualmente bons. Algumas coisas me pareceram precisar de amadurecimento. Mas, de modo geral, tudo sugere um caminho de consistência. O que já é muito pra um restaurante que conta pouco mais de seis meses de vida.

A casa já mostra a que veio no couvert, que passa longe daquela coisa entediante que se encontra em nove de cada dez restaurantes. O do Clos de Tapas começa com ótimos pães, uma gostosa conserva de legumes e uma manteiga de umburana e castanha do Pará que era um abuso de boa.

A segunda etapa do couvert, outro acerto. A versão autoral do PF propõe um jeito lúdico de comer o arroz com feijão de todo dia: um cremosíssimo caldo de feijão com pedacinhos de paio, acompanhado de crocantes de arroz (que lembram mandiopã) e um saboroso pó de couve (apenas couve, desidratada e reduzida a pó). Minha vontade era esquecer a etiqueta e pedir mais um.

Em seguida, mais diversão, com a falsa cenoura que escondia um patê de foie gras. Me lembrou a famigerada “meat fruit” de Heston Blumenthal em seu novo Dinner. Lá uma tangerina, cá uma cenoura, mas a ideia é a mesmíssima. Achei mais divertido que saboroso. As torradinhas estavam perfeitas, mas o foie estava muito diluído na pasta cremosa; faltava sabor. E a doçura da película de gelatina e do confit de cenoura que acompanhava mascaravam ainda mais o sabor do fígado.

Mais ludicidade com “O Tronco”. Folhas verdes, purê de mandioquinha, cogumelos, cubinhos de bacon. O “tronco” caído sobre a “mata” era casca de mandioquinha desidratada e depois frita, alcançando textura incrível e aparência de uma lasca de madeira, de fato. Pra contextualizar, sobre um recipiente com casca de madeira e musgo, derramava-se uma essência com aroma de bosque, que se espalhava em fumaça sobre a mesa. Interessante, pra dizer o mínimo. As folhas eram frescas, o purê e a casca de mandioquinha eram muito bons, mas, novamente, me pareceu que o aspecto lúdico falou um pouco mais alto que o sabor propriamente.

Na sequência, arroz caldoso de pato com pérolas de beterraba e raspas de laranja. Perfeito. Não há palavra melhor pra descrever. O caldo intenso, o arroz no ponto, a carne untuosa, a capinha de gordura derretia ao alcançar a boca. As raspas de laranja traziam frescor. As pérolas de beterraba, surpresa.

Enfim, o leitão de leite com caqui na cachaça e alho negro. O leitão extremamente saboroso, crosta absurdamente crocante, mas a carne mais seca do que me pareceria o ideal. O diálogo delicado com o caqui na cachaça fazia o prato crescer. Mas o alho negro quase não se sentia no molho rôti...

Uma das sobremesas foi o “Magnum de amendoim e toffee”, inspirada no famoso picolé. A capinha de chocolate era dura demais, difícil de quebrar. O esforço pra romper acabava espalhando o sorvete já quase fluido do recheio. Ainda que não fosse isso, achei uma bobagem perto de tudo mais que havia provado antes.

“A rolha e o vinho”, essa sim, uma bela sobremesa. O bolinho leve de amendoim que cumpria o papel de “rolha” não me disse muito, mas o sorvete de vinho do Porto era delicioso. Idem o molho de suco de uva orgânico, vertido no prato no momento de servir.

Encerramos com impecáveis petits fours: madeleines de azeite, ganaches de jasmim manga, carolinas de chocolate branco com cumaru e trufas de amendoim.

Nos dois dedinhos de prosa com Ligia Karazawa, ao final do almoço, pude confirmar o profissionalismo que já havia ficado evidente no padrão geral de execução dos pratos. O que tem de miúda tem de séria, focada no trabalho. Ousaria apostar que sua cozinha deve ser palco de um rigor e de uma disciplina quase militares. Afinal, divertir de verdade o público é tarefa que só se alcança com muita seriedade nos bastidores...

Clos de Tapas – Rua Domingos Fernandes 548 – Vila Nova Conceição - São Paulo
http://www.closdetapas.com.br/

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