Os leitores me perdoem o sumiço. Acabo de voltar de uma viagem ao Peru, onde estive por oito dias. Voltei abismada com a beleza daquela terra: de suas paisagens, de sua gente, de sua cultura (o que, obviamente, inclui sua culinária) e sua história. Mas esses dias me serviram também para refletir sobre o frisson que tem causado a cena gastronômica do país e me questionar se não há certo exagero em apontar a gastronomia peruana como o que há de melhor na América Latina, como vem acontecendo nos últimos anos.
Não sou muito afeita a comparações nem apreciadora da cultuada prática de eleger os melhores nisso ou naquilo. Acho que cada país tem sua expressão particular e há que se buscar o que de melhor cada um tem a oferecer. Considerando que a afirmação do Peru como a melhor cozinha da América Latina tem ganhado status de verdade absoluta, parece-me saudável refletir, questionar. Particularmente, não acho que a gastronomia peruana seja mais rica do que a brasileira por exemplo. Acho, sim, que alguns de seus protagonistas (em especial, o chef Gastón Acurio), juntamente com o governo daquele país, souberam levá-la ao povo - fazendo dela um dos aspectos da reconstrução de sua auto-estima -, bem como difundi-la mundialmente com mais inteligência e muito mais eficiência do que nós, brasileiros, temos feito ao longo dos anos. A feira Mistura é exemplo incontestável disso.
Estive na edição de 2013 e saí absolutamente encantada. Talvez nenhum outro evento do gênero no mundo possa ser comparado à expressão que tem feira peruana. Em primeiro lugar, pelo fato de ter como foco a comida, mais do que aulas e discursos de chefs importantes, embora isso, naturalmente, também esteja no “pacote”. Em segundo lugar, por abordar a gastronomia local com tamanha abrangência e alcançando impressionante integração do povo. Embora atraia chefs e jornalistas de toda parte do mundo, trata-se, em última análise, de uma festa do povo. O tempo que passei na imensa fila à espera da abertura dos portões não me deixou dúvida quanto a isso. Centenas de milhares de pessoas se reúnem numa mistura cuja liga é indiscutivelmente a cultura culinária que compartilham.
Para o estrangeiro, estar ali é tão interessante e divertido quanto é para os peruanos ou até mais. Além do caráter antropológico da coisa, há a vantagem de se ter ao alcance da boca, num só lugar, uma infinidade de sabores que povoam as mesas de norte a sul do país. Eis o que experimentei em uma única tarde.
O ceviche do famoso restaurante Sonia.
Ají de gallina do El Rincón Que No Conoces.
O delicioso sanduíche de leitão assado com salsa criolla da sanduicheria La Lucha.
Arroz con pato a la chiclayana (prato típico da cidade de Chiclayo e da região onde se encontra) do La Picantería, restaurante do chef Hector Solís, um dos meus endereços favoritos em Lima, como contarei aqui em breve.
O leitão pururuca da Caja China e o chancho al palo, talvez as maiores atrações da festa, estavam entre as coisas que eu desejava experimentar. Infelizmente, fiquei na vontade. As filas de mais de uma hora eram desanimadoras. Entram na lista dos muitos motivos pra voltar.
Quanto aos doces, experimentei o incontornável suspiro limeño e, ainda, arroz con leche e mazamorra morada, uma sobremesa à base de frutas e maíz morado. Uma delícia.
Encerrei minha passagem pelo Mistura com uma generosa porção dos clássicos picarones: roscas gigantes feitas com farinha, zapallo e camote. Fritas na hora, são regadas com mel de frutas ao servir. Um delicioso exagero.
Eu abocanhava os picarones, numa felicidade quase infantil, quando os olhos alcançaram a frase no alto de uma das estruturas espalhadas pela feira:
Em apenas quatro palavras, tudo estava dito.
Mistura Peru - http://mistura.pe/