Pousada da Alcobaça: eu queria a cozinha limpa de solene, limpa de soberba

Novembro 2013

Pousada da Alcobaça

Sei que já falei algumas vezes a respeito da Pousada da Alcobaça – presença certa na minha lista de lugares onde a vida parece fazer mais sentido – e que corro o risco de ser repetitiva. Talvez fosse mais inteligente pôr em dia a pilha de posts atrasados sobre lugares inéditos neste blog, mas vou voltar à Alcobaça porque é pra onde a vontade me leva hoje. No último fim de semana, tive ali uma das minhas mais felizes refeições no ano e isso me parece motivo bastante pra voltar ao assunto.

Das muitas visitas que já fiz à pousada, esta talvez tenha sido a que mais me tocou. Não há nenhum motivo concreto pra isso. A casa não mudou, dona Laura Góes continua a postos, o cardápio é o mesmo de sempre. Felizmente. Na verdade, minhas razões são absolutamente subjetivas. 2013 tem sido, pra mim, um ano de pouca tolerância. Logo nas primeiras semanas do ano, abusei da minha capacidade de suportar menus longuíssimos e rituais empolados e desconfio estar pagando o preço disso até agora. Ando sem paciência pra excessiva afetação que ronda o mundo da gastronomia, o que, muitas vezes, tem me levado a buscar prazer onde eu tenha certeza de encontrar simplicidade.

Pousada da Alcobaça

Nos últimos meses, meu estado de espírito tem descoberto sua melhor companhia na poesia de Manoel de Barros. E talvez nela esteja o código pra minha especial experiência nesta visita à Alcobaça. Vejo muito em comum entre aquele lugar e o universo do poeta. Poderia dizer que a relação de quase simbiose entre dona Laura e cada árvore frutífera que cresce naquela propriedade, cada pequena flor que brota naqueles jardins, é de uma ordem que remete ao modo peculiar como o poeta traduz a natureza. Mas isso seria dizer o óbvio. Vou além. Há um olhar especial pras pequenas coisas que, em geral, passam despercebidas. A valorização das insignificâncias. Vislumbro mesmo uma readequação de valores. Na poesia de Manoel de Barros, como nos jardins de dona Laura, uma jabuticabeira e um bem-te-vi são mais importantes que um ministro de Estado. Os dois me parecem ter algo valioso em comum: preguiça de ser sério.

Pousada da Alcobaça

Pousada da Alcobaça

Um trecho de um de seus poemas me veio particularmente à memória durante a refeição que mencionei no início deste post. “Queria a palavra sem alamares, sem chatilenas, sem suspensórios, sem talabartes, sem paramentos, sem diademas, sem ademanes, sem colarinho. Eu queria a palavra limpa de solene. Limpa de soberba, limpa de melenas.”

Cheguei ali sem saber muito bem o que tinha vontade de comer. Dona Laura sugeriu o prato do dia e aceitei a sugestão, mais por preguiça do que por vontade. Descobri, logo em seguida, que era exatamente aquilo que eu desejava comer, ainda que não soubesse disso minutos antes. Devorei com imensa felicidade a deliciosa galinha caipira com molho bem moreno (como há muito eu não encontrava), acompanhada de polenta frita e vagens crocantes – e, claro, arroz e feijão, que jamais faltam na mesa da Alcobaça.  Acomodado sobre jogo americano de crochê, era um prato à prova de foodies.

Pousada da Alcobaça

A julgar pela simplicidade do que me foi servido, corro o risco de o leitor desconfiar da minha sanidade, mas, sem medo, eu lhe asseguro que, naquele fim de tarde, a cozinha sem colarinho, sem suspensórios, praticada por dona Laura me garantiu uma das mais prazerosas refeições do ano. Como diria Manoel de Barros, meu aferidor de encantamentos deu nota dez.

 

Pousada da Alcobaça – Rua Agostinho Goulão 298 – Corrêas - Petrópolis

http://www.pousadadaalcobaca.com.br/

por: José Silva Neves em 06-11-2013
Exma. Sra.
Sou português, habito na cidade do Porto, entradote (66 anos), e acompanho desde há algum tempo o seu blog. Ou seja, e melhor dizendo, salivo com o seu blog. Parabéns!
Sou um enamorado indefectível do Rio de Janeiro e do Brasil. Desde a Feira de Caruaru até aos docinhos de Pelotas (como dizem, creio, os brasileiros: "Desde Oiapoque ao Chuí")que tenho regalado os olhos e o palato.
Desta vez, no seu texto, apareceu-me muito virada para a poesia. Unir os dois mundos, o da poesia e o da gastronomia, é uma perfeição restrita a poucas almas. De novo, parabéns!
A talho de foice, a seguir envio uma das minhas homenagens ao Rio:

Ah! Meu Rio!
Meu Rio de Janeiro!
Águas que escorrem numa maré de emoções.
Equador da América do Sul.
Oceanos de alma que respiram amor por todos os poros.

Chego,
e tenho o teu abraço,
o teu sorriso,
o teu colo!
Ah! Meu Rio de Janeiro!

Eu sei que me queres.
Eu sei que me esperas.
Eu sei que me pedes para vir.
Eu sei que és feliz, em Janeiro, quando eu cá estou.

E,
eu venho,
já grávido de ti,
com o teu sangue nas minhas veias,
esperando o teu seio,
revivendo todos os sonhos do teu corpo.

E,
eu fico,
sempre filho de ti,
adormecendo no embalo do chorinho,
acordando no abraço de Iemanjá,
esperando na Lagoa que o Redentor me veja, se volte para mim, e me abençoe.

Promete-me
que serás sempre a “Minha Cidade”,
que será sempre meu o calor do teu calor,
que a tua sombra em mim será sempre a das palmeiras imperiais,
e, eu irei sempre trazer-me,
noivo deste teu altar,
esperando
que quando o mundo me acabar,
tu, mesmo de longe, ainda me saibas e queiras chamar,
deixando-me ser Carioca na Baía da Guanabara.

Rio de Janeiro, 15 de Janeiro de 2011

Cumprimentos respeitosos e (tenho de dizê-lo) já com alguma amizade.
José Silva Neves


por: José Silva Neves em 06-11-2013
Ao rever, dei conta de que escrevi errado "A talho de foice". É "A talhe de foice", claro. As minhas desculpas.
por: Alhos, Passas & Maçãs em 06-11-2013
A vida, afinal, sem mistificações.
por: Izabel em 06-11-2013
Que deleite ler um post dessa natureza: rico de valores nobres esquecidos pela humanidade.
por: Merél em 06-11-2013
Por essas e outras que sou sua fã :)
por: Carlos em 06-11-2013
É na simplicidade que está a felicidade, tanto na comida como na poesia.
por: Thaís em 06-11-2013
Feliz aquele que consegue aproveitar e se encantar com as coisas simples da vida :)
por: Tiago dos Reis em 08-11-2013
Como eu gosto dos seus posts, Constance. Pura poesia em forma de post. Tô no time da Mérel. Seu fã.
E não é só pela forma de escrever, não, que eu invejo prá caramba (no bom sentido, claro). Mas no seu peculiar modo de enxergar a gastronomia e essa onda de pura afetação.
É só por isso que, até hoje, eu não fui ao tal restaurante badalado daqui de Vitória que você conheceu por puro medo de externar o meu preconceito. Eu resolvi esperar a sua opinião imparcial e honesta para eu reformular - ou não - os meus conceitos antes de ir lá.
por: Adriana em 14-11-2013
Constance, visito seu blog há algum tempo e me identifico muito com seu jeito peculiar de ver o mundo, as palavras que escolhe para descrever os lugares e os alimentos. Mas hoje especialmente você se superou. Quem precisa de alimento, como eu, precisa nutrir o corpo e a alma. Manoel de Barros faz isto como ninguém. Unir-se a ele é covardia! Agradeço muito seus textos. A credite: são importantes para muita gente! .."a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balança, mas pelo encantamento que produz em nós!" Manoel de Barros
por: Constance em 14-11-2013
Obrigada, Adriana. Saber que sou lida por gente que não avalia a vida em números é uma das coisas que me faz manter esse blog no ar.
por: Katia Albuquerque em 17-11-2013
Como sempre, totalmente demais.
por: Maysa Alexandrino em 19-11-2013
Ah, que delícia!
Pena de quem não entende um sentimento como esse.
É exatamente como me sinto sempre que vou à Roberta Sudbrack. O brilho da simplicidade, a comida com alma. Não há como explicar para quem não entende... Para quem não aprecia. Para quem acha que para pagar caro precisa de tapete vermelho e show de mágica à mesa. Enfim...
Incrível! :-)
por: Sylvia Braconnot em 15-12-2013
Querida, cá estou passeando pelos seus posts. Gosto muito deste seu olhar. Se pomposo, que seja bom e de alma, se simples, que assim seja e sem qq rótulo.E assim vamos acompanhando a expressão de tantos cozinheiros pelo mundo. Concordo com a abundância de bestices, tb procuro menos, muito menos. Bom domingão para vc.
por: Constance em 15-12-2013
Pois é, Sylvia, num mundo que parece não entender que mais nem sempre é melhor - às vezes é apenas mais -, há que buscar o menos.
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