Sobre gastronomia, afetividade e o cochinillo do Parador Valencia

Agosto 2010

Em geral, espera-se daqueles que escrevem sobre gastronomia isenção sobre o que se avalia. E isso exige, via de regra, certo distanciamento entre quem escreve e aqueles sobre quem se escreve. É o que tenho como norte. Mas as relações humanas nem sempre respeitam convenções, aliás, tendem mesmo a ir além dos protocolos. É bom que seja assim. O fato é que a vida, vez ou outra, coloca no meu caminho pessoas de quem se torna impossível manter aquela distância segura tão recomendável. Pessoas que acabam se tornando mais importantes do que essas convenções e por quem vale a pena abandoná-las.

O restaurateur Eduardo Cunha (hoje à frente das filiais cariocas da pizzaria Bráz), é uma dessas pessoas. Seu calor humano quebra de forma irremediável qualquer protocolo. E como acredito que é desse estofo afetivo que se preenche a vida, mais do que de qualquer cartilha de boa conduta, há tempos já deixei de lado qualquer preocupação protocolar no trato com ele.

Esse preâmbulo se deve ao fato de que cheguei ao Parador Valencia pelas mãos de Eduardo. Há tempos programava uma visita à famosa casa espanhola em Itaipava e, por um motivo ou outro, acabava sempre adiando. Eduardo, amigo de longa data de Paquito, dono do Parador, foi quem me apresentou pessoalmente a essa grande figura que fez tradição na serra fluminense. E foi na companhia dos dois que ali almocei no último sábado. Uma tarde repleta de boa comida e belas estórias. Portanto, o relato que faço aqui não poderia jamais ser totalmente isento.

Paquito é um valenciano orgulhoso de sua terra. Desanda a falar de sua Espanha natal e ninguém ousa pará-lo. Fala de política, de cultura, de gastronomia com um domínio invejável. E conta de forma deliciosa as estórias de sua família. Tudo isso se traduz nas paredes do Parador, repletas de fotos e objetos cheios de significado. Não há paredes – ou vidas – vazias naquele lugar. É um ambiente “habitado”, como é, afinal, a alma do dono, que, aliás, mora ali. O restaurante é uma extensão de sua casa. E isso faz toda diferença.

O cenário, portanto, já compensa a visita. Mas não havia incautos entre nós e estávamos ali com um claro objetivo: devorar um belíssimo cochinillo, leitãozinho abatido com poucos dias de vida, que, assado com maestria, é um prato sensacional, símbolo da cultura gastronômica espanhola, mais precisamente da cidade de Segóvia. Até beliscamos algumas tapas: presunto ibérico, chorizo, nacos de manchego, um delicado pil-pil com lascas de bacalhau... Mas nada nos distrairia do prato principal.

O cochinilllo chegou à mesa como manda o figurino. Inteirinho, dos pés à cabeça. Confesso que faço parte do time dos que ainda se impressionam um pouco com essa exposição do animal, mas não passei recibo. Afinal, em casa de Paquito não se admitem essas frescuras.

O cozinheiro, orgulhoso de suas raízes, destrincha com habilidade o bichinho que, rapidamente, está a nos matar a fome com a carne saborosa. Impressionante a perfeição da pururuca, cobrindo uma generosa camada de gordura , numa das mais deliciosas formas de se levar à ruína o colesterol de um mortal.

Preciso voltar pra experimentar a famosa paella da casa. Especialmente, agora, que sei que Paquito ainda conserva em sua cozinha uma paellera de mais de um século, que seus antepassados já usavam no preparo do prato em Valencia. O que só confirmou meu sentimento ao entrar naquele lugar: quem vai ao Parador Valencia tem boas chances de sair dali não apenas alimentado, mas, acima de tudo, enriquecido.

 

Parador Valencia – Rua Celita de Oliveira Amaral 189 – Itaipava (entrada pela Estrada União e Indústria 11.300)
www.valencia.com.br

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